betão, betão, betão...
Sacos
de cimento, montanhas de tijolos, toneladas de betão armado, mais areia, água
e, claro, os homens com as suas máquinas prodigiosas. Vêm ainda uma série de
engenheiros, arquitectos e pessoal de ordenamento do território.
Estuda-se
o terreno, faz-se o projecto, inicia-se a obra. Não tarda muito, dos sacos de
cimento, das montanhas de tijolos, das toneladas de betão, da areia e da água,
virá nascer um edifício através da empresa humana aliada à das máquinas. É
apenas mais um prédio de entre milhares; só mais um, sem distinção nem
originalidade.
Um
carro varreu a estrada. De nariz colado à janela estava Maria, que pela
primeira vez em 35 anos se apercebia da presença da floresta de betão armado.
Entretanto,
o carro parou e ela saiu; queria ver de perto. Era uma mulher elegante, de
cabelo escuro serpenteando pelas costas e olhos pretos grandes e ligeiramente
rasgados; tinha tudo o que uma mulher da sua idade poderia desejar, até se ter
deparado com uma realidade que sempre lhe parecera banal.
Um
pé aqui, outro ali; pisou a calçada de um novo passeio acabadinho de ser
construído em frente ao prédio recentemente erguido.
Um
pé aqui, outro ali. Pensou que aquele era um dos dias em que era cansativo
abrir os olhos, encher os pulmões de ar, viver rodeada de tanta quinquilharia.
Era um daqueles dias em que parecia que até o betão asfixiava pela vista.
Um
pé aqui, outro ali. Anúncios de néon, placas gigantes, betão, betão, betão…
cinzento, sem cor, vulgar. Tantos prédios, tantos, tantos! Tanta gente a morar
lá, tanta, tanta!
Sentiu-se diminuta, encolhida, sumida. Sentiu-se delirar. Rodou sobre si mesma e observou tudo: prédios, pessoas, semáforos, carros, buzinas… continuou a encolher… prédios, pessoas, carros, buzinas… cada vez mais pequena… prédios, prédios, prédios…. tão pequena… barulho!
Sentiu-se diminuta, encolhida, sumida. Sentiu-se delirar. Rodou sobre si mesma e observou tudo: prédios, pessoas, semáforos, carros, buzinas… continuou a encolher… prédios, pessoas, carros, buzinas… cada vez mais pequena… prédios, prédios, prédios…. tão pequena… barulho!
A
sua cabeça estoirou de dor, por todo o lado parecia ouvir vozes: “Vem por
aqui…!”
“NÃO!!”,
a dor era excruciante e as vozes pareciam não respeitar o sofrimento de Maria.
Deitou-se no chão, em posição fetal, a gritar “NÃO!”; as pessoas que por ela
passavam assustaram-se e repetiam para si mesmas “Está louca!”.
Prédios,
pessoas, semáforos, carros, buzinas… “Vem por aqui! Anda, vem por aqui!”…
pessoas, pessoas por todo o lado. “Vem por aqui!”. Os prédios a fecharem-se
sobre si… a prisão cinzenta, cada vez mais apertada, como uma camisola de
forças. “Vem por aqui!”.
“NÃO! NÃO! NÃO!”.
“NÃO! NÃO! NÃO!”.
Os
seus ouvidos estavam tapados pelas palmas das suas mãos, o seu corpo cada vez
mais encolhido tremia, o cabelo desgrenhado espalhava-se pela calçada, as
lágrimas corriam febrilmente...
Depois de um sono cuja responsabilidade era de uma dose afiançada por calmantes e sedativos, Maria acordou na ala psiquiátrica do hospital. Já não era a mesma mulher atraente de há 15 horas atrás: estava desgrenhada, tinha as pernas arranhadas e nódoas negras nos braços e o seu rosto, irreconhecível, estava arranhado e pisado.
Depois de um sono cuja responsabilidade era de uma dose afiançada por calmantes e sedativos, Maria acordou na ala psiquiátrica do hospital. Já não era a mesma mulher atraente de há 15 horas atrás: estava desgrenhada, tinha as pernas arranhadas e nódoas negras nos braços e o seu rosto, irreconhecível, estava arranhado e pisado.
Tentou
levantar-se, mas não conseguiu pois os seus braços e pernas estavam amarrados.
Em 35 anos de vida, foi o primeiro episódio psicótico que afectou Maria; nunca
antes se tinha deparado com nenhuma situação parecida nem tão pouco dado
mostras de algum distúrbio mental.
Deixou de querer ver pessoas e recusava-se a olhar para os médicos; ficou cega de sentimentos e vazia de espírito.
Deixou de querer ver pessoas e recusava-se a olhar para os médicos; ficou cega de sentimentos e vazia de espírito.
Nunca
mais foi a verdadeira Maria, nunca mais voltou a existir brilho nos seus olhos,
nunca mais foi à cidade, nunca mais abandonou a ala psiquiátrica, tudo porque
um dia deixou de olhar e passou a ver, disse que “não queria ir por aí”, e se
assustou devido à pressão claustrofóbica que este mundo, inadvertidamente,
exerce em nós, por nossa culpa.
Ninguém
compreendeu a sua diferença e, por isso, deixou de existir Maria para dar lugar
à figura de uma jovem possuída pela demência.
("Parada".
por Linda Martini em Marsupial)
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