isto são três pontos

Sabotagem
Manhã
De novo

Não, a vida não são dois dias (que forma mais absurda de a ilustrar), são três pontos bloqueados num compasso inerte entre o antes e o depois, entre o ser nada e o nada ser.
Parada, estagnada, suspensa com o gatilho premido desde o princípio.

Morto
Banal
Igual

Ponto um: respirar, espirrar o líquido amniótico, abandonar o lago de água e sal que fingiu ser o primeiro berço, abrir as goelas num grito tão estridente que há-de acordar cadáver a cadáver para a loucura da nossa existência.
Ponto dois: parar com o tempo, no mesmo ritmo lancinante e asfixiante, descobrir e enquadrar as peças desalinhadas, construir algo parecido com um pedaço de gente - um pedaço de natureza morta-viva, afinal.
Ponto três: esquecer o que nunca chegou a ser lembrado, para que nos esqueçam antes de sermos lembrados. Inspirar sofregamente só mais uma vez, engolir pelos olhos e pelas narinas e ouvidos e boca o luto que corre atrás do gatilho premido até ao fim. Finalmente.

Três vezes se repete o ponto enquanto a marcha fica suspensa.
Eu não morro, tu não morres, ninguém morre, ninguém existe: assim se conjuga o verbo “ser  [colóide]”, que não é mais do que a soma de todos os verbos.

No quarto escuro ficas tão bem
O fato escuro fica-vos tão bem.

Comentários

João disse…
Como eu gostei de ler isto, Ana.

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