liberdade, à noite
Refrescou, o céu já está escuro e
entretanto fez-se da tarde mais tarde ainda. Vou a pé pela Liberdade,
corrompendo o seu sono com passadas rápidas e bem treinadas.
As cabeças adormecidas sobre os bancos, as
silhuetas circunscritas a cartão: faz frio, e eles dormem, banco após banco,
banco não, banco não, banco sim, dormem. Ou imitam os que têm cama e lençóis
lavados, uma fronha branca a transpirar sabão e água e o perfume das mãos que a
esfregaram.
Ali, contudo, a única almofada é a
sincronia rígida das tábuas mal pregadas dos assentos de jardim, debaixo das
árvores, acima do metro, ao lado do lixo e dos homens que raspam o alcatrão;
muito abaixo da realidade estúpida e nauseante que se vive na Liberdade, na
Fontes Pereira, na 5 de Outubro e nas outras todas quando o sol ainda vinga.
Passam os carros e o verde dança com o
amarelo, chegando o vermelho para os travões chiarem fininho, atroando no
Marquês e no outro que levanta a mão na Praça dos Restauradores.
Liberdade, à noite, é ver presos à miséria
não uns, mas todos, os que se assoam às ervas e os que cospem no prato, os que
têm casa na rua, os que andam à solta em casa.
O quarto, a casa de banho, a sala.
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