impressões soviéticas
Sou filha do século XX. Portuguesa. 1992.
Nasci num país forrado a bolhas, numa construção tão monstruosa quanto frágil. Não fazemos ideia do que foi o século XX porque havia um tipo maior do que tudo a absorver 60 anos da nossa História. De tal modo que o resto da Europa ficou bloqueado à entrada dos Pirinéus. É uma loucura, foi uma loucura. Duas guerras mundiais e o frenesim do Totalitarismo. E nós não sabemos nada, nada, nada. É a maldita bolha de bolhas. Não sabemos quantos morreram a soletrar as letras da propaganda vermelha. Não sabemos quantos queimaram as mãos a erguer muros - o maldito muro da cegueira. Nada. Como se depois dos campos de concentração tudo mais pudesse ser ignorado ou - mais escandaloso - fosse possível de tolerar. Está-se bem ao sol, afinal... Praia e cerveja fresca, uns caracóis depois de sacudirmos a areia dos pés. Mas, e o que se passa do lado de lá? O que se passa dentro dos cubículos de interrogação, nas cadeiras de tortura, naquele lado do mundo em que a rádio é controlada, os livros censurados, as cartas lidas sem pudor? Que lugar ocupa tudo isso na lentidão das nossas vidas pacatas?
Está-se bem ao sol, afinal... Praia e cerveja fresca, uns caracóis depois de sacudirmos a areia dos pés. Mas, e o que se passa do lado de lá? O que se passa dentro dos cubículos de interrogação, nas cadeiras de tortura, naquele lado do mundo em que a rádio é controlada, os livros censurados, as cartas lidas sem pudor? Que lugar ocupa tudo isso na lentidão das nossas vidas pacatas?
Dizem que são precisos 50 anos para estudar e escrever a História. Não sei, não é esse o meu campo de estudo... Sei, contudo, que os anos da pop histérica, do rock psicadélico e das discotecas frenéticas foram há cerca de 30 ou 40, e não podem por isso ser esquecidos ou menos recordados - questionados! Tão grave como semear morte aos olhos do mundo, é fazê-lo ao abrigo de ideias de fraternidade, propagandas miseráveis e cantigas podres mascaradas do velho slogan "tudo para todos".
Eu li muito sobre isto, mas não sabia bem o que era. Inocência de quem imagina distopias sem as saber tão reais, tão cruéis, tão sanguinolentas e, pior, tão perto - no espaço e no tempo.
Pois que o mundo tem gente demais e a proporção de loucos é inacreditavelmente grande. Há coisas que a televisão banaliza e nós, confortavelmente instalados no lado de dentro da bolha, tomamos como normal que na Síria se mate gente, na Ucrânia se massacre gente, por essa Europa, Ásia, África, América, se faça tudo o que há de horrível a gente tão gente como nós.
Hoje estou sem esperança, tenho medo e, honestamente, não sei bem o que há a fazer. Afinal, quem sabe? Vamos então lutar por mais umas quantas banalidades e pode ser que, daqui a 50 anos, alguém olhe para trás e veja a miséria de Humanidade que ocupou o século XXI.
Nasci num país forrado a bolhas, numa construção tão monstruosa quanto frágil. Não fazemos ideia do que foi o século XX porque havia um tipo maior do que tudo a absorver 60 anos da nossa História. De tal modo que o resto da Europa ficou bloqueado à entrada dos Pirinéus. É uma loucura, foi uma loucura. Duas guerras mundiais e o frenesim do Totalitarismo. E nós não sabemos nada, nada, nada. É a maldita bolha de bolhas. Não sabemos quantos morreram a soletrar as letras da propaganda vermelha. Não sabemos quantos queimaram as mãos a erguer muros - o maldito muro da cegueira. Nada. Como se depois dos campos de concentração tudo mais pudesse ser ignorado ou - mais escandaloso - fosse possível de tolerar. Está-se bem ao sol, afinal... Praia e cerveja fresca, uns caracóis depois de sacudirmos a areia dos pés. Mas, e o que se passa do lado de lá? O que se passa dentro dos cubículos de interrogação, nas cadeiras de tortura, naquele lado do mundo em que a rádio é controlada, os livros censurados, as cartas lidas sem pudor? Que lugar ocupa tudo isso na lentidão das nossas vidas pacatas?
Está-se bem ao sol, afinal... Praia e cerveja fresca, uns caracóis depois de sacudirmos a areia dos pés. Mas, e o que se passa do lado de lá? O que se passa dentro dos cubículos de interrogação, nas cadeiras de tortura, naquele lado do mundo em que a rádio é controlada, os livros censurados, as cartas lidas sem pudor? Que lugar ocupa tudo isso na lentidão das nossas vidas pacatas?
Dizem que são precisos 50 anos para estudar e escrever a História. Não sei, não é esse o meu campo de estudo... Sei, contudo, que os anos da pop histérica, do rock psicadélico e das discotecas frenéticas foram há cerca de 30 ou 40, e não podem por isso ser esquecidos ou menos recordados - questionados! Tão grave como semear morte aos olhos do mundo, é fazê-lo ao abrigo de ideias de fraternidade, propagandas miseráveis e cantigas podres mascaradas do velho slogan "tudo para todos".
Eu li muito sobre isto, mas não sabia bem o que era. Inocência de quem imagina distopias sem as saber tão reais, tão cruéis, tão sanguinolentas e, pior, tão perto - no espaço e no tempo.
Pois que o mundo tem gente demais e a proporção de loucos é inacreditavelmente grande. Há coisas que a televisão banaliza e nós, confortavelmente instalados no lado de dentro da bolha, tomamos como normal que na Síria se mate gente, na Ucrânia se massacre gente, por essa Europa, Ásia, África, América, se faça tudo o que há de horrível a gente tão gente como nós.
Hoje estou sem esperança, tenho medo e, honestamente, não sei bem o que há a fazer. Afinal, quem sabe? Vamos então lutar por mais umas quantas banalidades e pode ser que, daqui a 50 anos, alguém olhe para trás e veja a miséria de Humanidade que ocupou o século XXI.