esta direita que nós temos

Após o resultado das últimas eleições, em particular no círculo europeu, que deixou muitos dos nossos comentadores sem resposta para este fenómeno, permitam-me, enquanto cidadã portuguesa residente na Suíça, que partilhe a minha experiência pessoal.Sou médica e investigadora. O que relato aqui é resultado de uma observação da comunidade portuguesa na Suíça durante os últimos 8 anos, um contacto estreito em contexto muitas vezes hospitalar, e que fundamentou um distanciamento cada vez mais pronunciado, da minha parte, desta forma de estar na vida e de estar na Suíça que justifica que uma multidão desta dimensão tenha, a partir daqui, dado voz ao Chega.

Para mim, ser emigrante na Suíça alimentou o meu conceito de Estado Social, consciencializou-me para a necessidade de construir uma sociedade inclusiva, que integra nas medidas de esquerda certas premissas de direita que podem melhorar a vida das pessoas. E ensinou-me, acima de tudo, que o respeito e a tolerância são os nutrientes do meu percurso por cá: eu não falava bem francês nem alemão, era médica sem especialidade e tinha uma ideia muito vaga de poder um dia desenvolver uma carreira académica. Construí tudo isso enquanto estrangeira, sem qualquer entrave. E quando um dia voltar - se voltar -, é para levar comigo o que a Suíça me deu: conhecimentos médicos e científicos que, espero, possam ser uma adição para Portugal. Num país com Chega ao leme, duvido que alguma vez o regresso de tantos outros que foram à procura de conhecimento possa ser útil, tampouco desejado, pois esse não é o público alvo de uma retórica simplória que promove a ignorância em massa.

Está toda a gente de queixo caído. Ninguém sabe de onde vêm estes votos de emigrantes suíços que, à primeira vista, são contra si próprios – eu incluída. Mas bastam-me dois minutos de reflexão a partir de dentro (estando fora, como os outros todos) e compreendo o fenómeno que nenhum português em Portugal consegue compreender.
É até bastante simples: os emigrantes que votam no Chega querem desesperadamente voltar à sua pátria. Vieram sem nunca ter saído, trouxeram o rasto da portugalidade consigo e uma resistência enorme à adaptação. Portugal é que é! E é, mas não só, até porque a Suíça não é (nem pode ser) o bar de alterne do Tuga.
Aqui, vive-se uma direita à esquerda que, no seu conservadorismo, consegue alimentar estruturas sociais que protegem as pessoas, incluindo as mais vulneráveis e, por extensão irremediável, os portugueses que cá precisam delas. Aqui, paga-se muito por tão pouco e ganha-se o que ninguém vê. Aqui, há regras, esse grande constrangimento da vida de um chico-esperto... E na liberdade é-se castigado porque... assim seria suposto? Um escândalo – sobretudo quando as coisas até funcionam.
Mas voltemos à premissa inicial: quem vota no Chega não entende a fineza e o requinte de um dia nos Alpes, e desconfio mesmo que não saiba que há fórmulas mais simples para a riqueza que a mera coleção de números e objetos, tão paradoxal de tão vazia.
O ponto fundamental, que nenhum emigrante equacionou no seu voto alimentado de privilégio e soberba, é que ser emigrante na Suíça, com o seu Governo federal e aparentemente fragmentado, capitalista e conservador, não é o mesmo que ser emigrante em Portugal com um Governo insuflado de Chega, alimentado pelo ódio, inscrito na mesquinhez. Mas foi exatamente esse o motor que fez funcionar a propaganda em terras helvéticas: eles vieram para ganhar dinheiro, pelo leitão assado na Casa Portuguesa, para levar o CR7 às costas, reservados à sua grandeza de guerreiros, qual armada naval em Terras de Vera Cruz. Nada de errado haveria nisso – exceto talvez a chacina vergonhosa que foram os Descobrimentos – mas quando um grupo de pessoas quer apenas isto, alguma coisa está errada.
Estamos perante uma burguesia de última geração, de outro nível, e um nível só feito de superfície. Esse emigrante é então aquele que quer voltar e, de preferência, ter a casa para si, toda, inteira, vazia do vazio da emigração, vazia de outros, repleta de tudo aquilo a que têm direito por determinação praticamente divina: um lugar à beira-mar.

Agora que o Chega já lá está, protótipo de uma direita reacionária criada por uma esquerda sem visão, e que a democracia é um detalhe banal no meio das coisas realmente substanciais da vida, abram alas para eles, e saiam do caminho, que é tempo de reconquistar a pátria!

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