eu caio, tu cais, ela caiu (um)
Um
grande pardal galvanizado cortava o ar em fatias rudes, desfazendo algumas
nuvens em gotas minúsculas, como se a nuvem mãe tivesse sido vítima de cisões
sucessivas. Pela primeira vez, senhora dona Sem Nome viajava em tal viatura,
sobre a imensa estrada de gotículas; colava o nariz à janela e, com o
entusiasmo de uma jovem, trespassava com os olhos arregalados o mundo cá em
baixo do mesmo modo que as asas do pardal talhavam o ar lívido e gelado.
Era
o voo dezoito zero um mil novecentos e quarenta e três de uma companhia
particular de tradição lendária. Havia pelo menos onze ou doze da mesma fábrica
que este, mas a senhora desta história viajava sozinha num espécime único! E as
paredes deste pardal estavam todas forradas com faces luminosas; cada
fotografia dizia respeito a uma paragem, e as caras que de lá se lançavam em
grandes sorrisos ou em posses mais sérias eram propriedade das suas mais
valiosas propriedades.
(...)
Fitou
de novo as nuvens. De repente, um acesso de absurda tosse afectou o motor do
pardal, que se balançou. A senhora Sem Nome, claro está, assustou-se
tremendamente. O estômago deu um pulo, as pernas cederam, e um gritinho
histérico soltou-se da sua garganta. O avião lá prosseguia balbuciante o seu
caminho entre as nuvens farfalhudas, tremendo abruptamente, gingando. Algumas
peças soltaram-se, e dos altifalantes ouviu-se uma voz metálica feminina
extremamente sensual: Pedimos à senhora passageira que mantenha a calma,
aperte o cinto e se segure bem. Iremos de seguida tornar a explicar como
aplicar o colete salva-vidas e usar as máscaras de oxigénio. Esta zona é
especialmente turbulenta, pelo que pedimos que siga com exactidão todas as
nossas indicações.
.
(a concluir)
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