martelo prego
Faz doer.
De
facto, a princípio pouco se nota a presença da agulha finíssima que se espeta
sorrateiramente no dedo mindinho. Mas esta, não se fazendo lograda pelo esforço
da indiferença, vai, a pouco e pouco, languidamente, rompendo, retraçando,
escalavrando, primeiro uns quantos capilares (e dói), e depois uns vasos mais
grossos (e dói mais um bocadinho), ao mesmo tempo que arruína a capacidade de
resistência da pilha de nervos que cobre os músculos.
No
entanto, tudo isto é demorado e impreciso.
Até
que, por fim, não se tornando insuportável, já incomoda bastante, e quando os
olhos retraçam o belo espectáculo de pele negra e carne derreada pelo espeto,
já o nariz toma, através do belíssimo gesto que é a respiração, a sua parte de
fetidez nauseabunda que, como uma placa amorfa, se solta do tal dedo mindinho e
invade os pulmões, a ponto de fazer abrolhar num outro órgão aquela tão
familiar sensação de repugnância. E vai desta solta-se um vómito.
Esquece-se
a dor da sua lassidão de movimento e, de sinapse em sinapse, vai o corpo sendo
tomado rapidamente por essa angústia dilacerante que acaba afectando o juízo,
que já é angústia de espírito.
Torce-se
como se fosse um esfregão amarelo inchado por água e sabão. Chora, geme, cerra
os dentes. Espuma pela boca, revira os olhos, aperta o pé e massaja-o com
força. Tenta ignorar a febre molhando-se em água gelada. Tenta ignorar a náusea
abrindo as janelas. Todo o organismo ferve, escalda, lateja. Enlouquece. E a
dor, que é o que mais merece desdém, é enganada por uma dose cavalar de
sedativos. O ritmo cardíaco diminui, a respiração acalma. Na pontinha do pé
apenas se sente um breve palpitar arritmado e lento. As pálpebras pesam toneladas,
e curvado sobre a própria barriga, adormece entre a sanita e o bidé.
De
novo anestesiado, resta esperar por nova crise. À parte isso, há que aprender a
viver com o espinho.
Comentários