exxiv - etoricoxib
Não
cura a osteoartrose, mas cura a solidão, o degredo e a terrível decepção que é
o Natal em tempos de cólera, esta quadra absolutamente desumanizada e terrivelmente
congestionada de vazio. Que o problema está todo no grande monte de esterco que
se mascara com a cara dos homens, e a miséria está toda cá fora.
Porque
deixaremos sempre os nossos desenhos por pintar. Deixaremos sempre perdidas as
agulhas do croché no meio do chão do quarto. Deixaremos sempre comida no prato
e água no fundo do copo. Deixaremos sempre de falar quando o silêncio quiser
gritar mais que o devido, e deixaremos de ver quando os olhos se cansarem da
pigmentação monocromática que tinge o dia-a-dia-a-dia-após-dia. Seremos sempre
abafados pelos níveis baixos de insulina no sangue, tal é a dose brutal de
doçura oca que se instala nas hemácias trôpegas.
Porque
seremos sempre humanos, gente ou pessoas ou animais dotados de razão, ou coisa
nenhuma cosida em malhas de vulgo pensar; sincronia idiota em redor dos órgãos
vitais - os mesmos órgãos que dão razões à máquina para se continuar a mexer...
Porque
seremos isso tudo e, no entanto, nunca seremos tanto: a diferença é que, aqui
fora, comeremos, sempre que pudermos, os braços ou as pernas do próximo, como
não faríamos a nós mesmos. Aqui fora, são as bestas que mandam, já que reinam
os quatro ministérios que Orwell criou: Paz, Amor, Fartura e Verdade em todo o
seu esplendor horrendo.
É por
isso que, este ano, tenho o melhor presente: há, dentro dele, balbuciares
atrapalhados, olhares entorpecidos e vazios, cheiro a tabaco enraizado nas
malhas das camisas e aroma a. Há imagens de mulheres de boca bamba e de mãos
abertas, o som da meditação. Há Jacintas, Elsas, Filós, Celestes, Conchinhas,
Marias ou Teresas; há também Rosas e Ricardos, as palavras silenciosas da
Fátima e as imagens que a Deolinda não via, mas ouvia. Desenhos, poemas, frases
em chinês.
Não há números, há nomes.
Não
há gente, há pessoas.
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