destilação
"Que fumo é este que te preenche as narinas,
minha pequena aberração feita de gente?
Será o das ervas que queimam por puro
prazer de intoxicar o sangue e a linfa com todas as porcarias que destilam
aquando a combustão da erva?
Ou será o de braços e pernas e cabeças
sublimando à mercê da fogueira?
Não, nada disso. É outra coisa qualquer.
O quê?
Não faço ideia. Mas é angustiante e está a
matar-me, logo a mim que há tanto tempo ando a morrer."
Que sufoco tão grande, que agonia sentir os pulmões a contorcerem-se lânguida e serenamente, como se não fosse nada com eles, e sentir, bem dentro do peito, a simbiose do fumo com os alvéolos pulmonares; e em vez de oxigénio e água, lixo a entrar dentro de cada célula: uma após a outra perecem múltiplos suicídios, homicídios; depois há as que programam um genocídio, morrendo milhões de uma vez só, engelhadas como chouriços no fumeiro.
Dois corpos, virados de frente um para o outro, de olhos muito abertos e semblante carregado e escurecido pela tempestade de fumo, caem hirtos sobre o chão - sem vida o chão, sem vida eles: como todo o ser quando deixa de ser.
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