correcções
Asfaltámos, senhores, a memória, porque nos
incomoda caminhar sobre terreno pedregoso, esquartejar ideias que eram e já não
são, viver pessoas, locais e momentos, imagens que vão sendo soterradas pelos
quilos de alcatrão que levamos colado ao corpo.
Asfaltámos todos os caminhos. Colonizámos
os territórios mais soberbos da mente humana. Edificámos construções brutas de
betão. Destruímos as ervas daninhas, as flores e os insectos. Deixámos ficar os
animais de estimação que, não incomodando, também não trazem nadade novo à casa,
a não ser umas coçadelas na barriga e outras debaixo do queixo.
Tudo se vê melhor, está mais claro, mais
limpo – assustadoramente asséptico -, bem cimentado, sólido e vigoroso de tão flácido,
corrompido, triste e enfadonho, como todos os caminhos sumidos de alcatrão,
como todas as estradas sem obstáculos, como todos os trajectos desprovidos de
objectivos, de dificuldades, de desafios.
Basta!
Lá ao longe, muito longe, uma linha verde
esbate-se e contorce-se, tendendo a sua coloração para zero à medida que Eu me
afasto, jogando aos meus olhos a cor em função da distância, grandezas que
andam para ali às voltas - talvez com logaritmos ou polinómios pelo meio – intrínsecas
nas formalidades que todos os limites envolvem, com as devidas indeterminações e
notabilidades, tornando-se então evidente que não preciso de harmonia para nada,
o que eu gosto é de arranhar as pernas, por isso, meus senhores, asfaltem os
caminhos todos, mas não contem comigo.
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