dá-me a tua melhor faca
Abriu
a primeira gaveta: entre os garfos e as colheres jaziam adormecidas as facas,
com as lâminas brilhantes, olhos arregalados ao seu propósito.Tirou uma das
mais afiadas, iluminou-a à luz fluorescente, de um lado e do outro do gume, de
um lado e do outro do limiar afilado – entre estar cá, estar lá.
Com
um golpe preciso, incidiu o bico sobre o abdómen, gravando no chão, a sangue, a
composição química das suas vísceras, do seu desejo mortífero de se vir à
terra, cair por terra, jazer sob a terra…
Olha para o teu corpo, não o teu corpo, mas a coisa monstra - assassina, repugnante, perversa - que em ti dorme; atravessa-te, trespassa-te na dimensão real em que permaneces e chega lá dentro, onde ninguém chegará, nem mesmo tu, habitante de tão belo paradoxo, onde nunca ninguém chegará, nem mesmo tu, nas linhas indizíveis e intrespassáveis de ti, morrendo de ti e por ti, sempre para a ti oferecer a lacuna grave que tem sido, invariavelmente, este pedaço de cemitério onde padeces.
Mascaraste os azulejos pálidos das paredes, a mesa e as quatro cadeiras, as cortinas que te escondem da rua com esse rodopio quente que se escapa das tuas tripas rotas. Não sabes que caligrafia tão feia é essa que esconde o teu nome, não a decifraste, não a decifrei, ninguém a decifrará, porque assim se constrói o motivo pelo qual te mataste, só assim se justifica a tua morte, que me mata a cada instante, morrendo os dois no luto da Nossa tragédia.
Olha para o teu corpo, não o teu corpo, mas a coisa monstra - assassina, repugnante, perversa - que em ti dorme; atravessa-te, trespassa-te na dimensão real em que permaneces e chega lá dentro, onde ninguém chegará, nem mesmo tu, habitante de tão belo paradoxo, onde nunca ninguém chegará, nem mesmo tu, nas linhas indizíveis e intrespassáveis de ti, morrendo de ti e por ti, sempre para a ti oferecer a lacuna grave que tem sido, invariavelmente, este pedaço de cemitério onde padeces.
Mascaraste os azulejos pálidos das paredes, a mesa e as quatro cadeiras, as cortinas que te escondem da rua com esse rodopio quente que se escapa das tuas tripas rotas. Não sabes que caligrafia tão feia é essa que esconde o teu nome, não a decifraste, não a decifrei, ninguém a decifrará, porque assim se constrói o motivo pelo qual te mataste, só assim se justifica a tua morte, que me mata a cada instante, morrendo os dois no luto da Nossa tragédia.
E
depois, tranquilamente, ressuscitaste.
Hoje
é dia 22, e se eu disser que te amo,
estarei a mentir descaradamente,
minha
Batata.
(...) p'ra cortarmos isto em dois
***
Comentários
"Tenho em mim a vontade incomensurável de me libertar. Uma emancipação de mim mesmo, que me levaria aonde quisesse. Os grilhões que me colocaram à nascença, embora oxidados, continuam firmes. Penso, por vezes, que a única escapatória que me resta é aguardar que o Tempo me consuma, carne e alma, até que o meu corpo atrofie de tal forma, que consiga passar os punhos pelos aros metálicos que me dominam.
Porém, surgem-me dúvidas se, quando esse tempo futuro deixar de o ser, terei forças para levantar e caminhar para fora da cela."
Não tem, ainda, data. Não sei se está terminado. Também não assinei, pelo mesmo motivo. Convido-te a pegares nele, penso que és a única pessoa que poderá fazê-lo.
Um abraço.
E eu não prescindi dela.