there's no other place in the universe
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where
i could be happier
***
Preparei-me
meticulosamente, não que seja meu hábito ser todos os dias um exemplar
evidentemente identificado da minha espécie e género, e sair de bochechas
polvilhadas só para apreciar a doçura de mais um dia – é precisamente por
virar a página ser um momento tão fundamental no decorrer de mim sobre o tempo,
que gosto de receber o sol numa cara limpa.
Naquele dia, contudo,
estava fora de todos os papéis, e não sabendo qual ser o meu, prendi o cabelo
numa trança mal-amanhada, as pontas louras saindo espetadas e a franja
caindo-me do apanhado desajeitado. O bálsamo do costume correu-me nos lábios,
algum perfume nos punhos, outro tanto no pescoço, que depois envolvi num lenço
azul escuro. Botas calçadas (tenho de as mandar ao sapateiro para que me feche
aquele arranhão), casaco vestido, mala a tiracolo e guarda-chuva na mão.
A minha rua (que agora não
é mais minha), o grande centro comercial, vinte minutos para vir o próximo
autocarro e a ansiedade crescendo com tanta brutalidade, que o guarda-chuva me
dançava na mão. Desci à Mãe de Água, atravessei o Rato, passei mesmo em frente
à Politécnica – parei, era a última esquina: a ú-l-t-i-m-a esquina, e tudo tinha irrevogavelmente de mudar daí
em diante, de tal forma que tudo
ficou igual… nos minutos que precederam aquele, nas memórias do que era e não
mais será, nunca mais foi.
Para lá da minha chávena
de chá, o maior e mais complexo segredo sorria-me, e em vez do guarda-chuva,
apertava com força um pequeno embrulho de papel.
Tu és muito…, ouvi.
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