onde foi que se perdeu
O
senhor Rocha concentrava a sua força no cadeirão de napa enconstado ao redondo
armário da sala. Descaía-se simulando uma queda sem amparo. Vivo, mas morto,
mais morto que vivo, afinal, o senhor Rocha sempre depositava no cadeirão o
peso –morto de um vivo – ao fim de cada cansativo
dia de trabalho.
E com
ele tombavam as dores de partos mal acabados, gestações incompletas, filhos sem
mãe, gerados somente da cópula frígida entre si e as horas inócuas em que
martelava, com fúria dissimulada, no teclado do computador, vagamente
interrompidas para uma viagem à impressora, ou à máquina do café, ou à janela.
Fui
ver se a rua ainda acontecia.
E
acontecia. Acontece sempre. Seja matraqueada pelos pés de gente que lá passa,
seja pela moldura de roupas estendidas e ondulantes ao sopro do vento, seja na
água escura que corre entre as pedras. A rua acontece. Acontece nos cabos, nos
cafés, nos barulhos e nos aromas emanantes, tudo misturado, conferindo um só
hálito.
Segunda,
terça, quarta, o primeiro, o segundo, o terceiro, daí até sábado, das nove às
cinco. Pausa para, sentado na mesma secretária, desembrulhar o almoço e devorar
o repasto sem o mínimo interesse. Nem mesmo os bocados de cenoura que descobre entre
grãos de arroz importam, logo cenoura, logo arroz, combinação detestável nos
dias em que ser não parecia tão
aborrecido. O senhor Rocha perdeu os sentidos no exato momento em que perdeu o
sentido.
Olhar
para este homem-corpo deitado de bruços sobre o cadeirão. Braços pendurados e
comando na ponta dos dedos, lábio descaído, fio de baba imitando a restante
feição, olhos semi-abertos, ouvidos à escuta sem nada ouvirem.
Olhar
para para ele e para o que está à sua volta. Televisão crepitando de canal em
canal, ora aparece a menina da meteorologia, ora a voz do apresentador do
telejornal.
Olhar
para este homem e bradar:
Que
alma é esta que nos devotou ao tédio,
Mais
alto:
Que nos
privou da graça imensa de nos sabermos aqui,
Sem
esquecer o fundamental:
Onde
foi que tudo isto perdeu o interesse?
Na dúvida, vira-se a barriga para cima. Assim fez.
***
os
loucos, sempre os loucos, são sempre os loucos
em algum lado havia isto
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