a arte da conversa
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A Arte da Conversa, Magritte.
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-O
Nós é irreal demais para existir.
-O
Nós existe.
-E
o resto?
-Será
que muda alguma coisa?
-Seria
utopia dizer que não, porque para mim muda tudo, mudou tudo. Atormenta-me esta
nossa disponibilidade para nos sentarmos a ler um jornal enquanto a novela das
dez se descortina na televisão; por fim, adormecemos, e o tempo passou por Nós,
sem sequer nos dar espaço para perguntar: e o resto? Que raio de merda é esta?
-É
tudo o que temos.
-Não
aceito isso, não posso.
-Mas
tudo o que tu alcanças é esta merda que já conheces. Não creio que haja algo
que não isto.
-É
pena.
(...)
-Aprenderam
a ultrapassar os outros ultrajando as vossas alegrias plenas enquanto revigoravam
tristezas moribundas. Negaram a vossa própria classificação no Reino Animal,
negaram o vosso mais que certo nome de Homo Sapiens. Veneram a ortodoxia porque
se consideram no direito de abolir o pensamento. Fumam ervas, bebem uns copos,
abastecem-se da Natureza ou simplesmente divertem-se, não passando isso duma
exaltação do vosso estado mais primitivo e animal, e eu também o faço, mas não
para asfixiar a corrente, é sim para deslindar o novelo, encontrar as pontas,
tornar tudo mais claro, mais natural. A ortodoxia é a renúncia à inteligência
humana, ser ortodoxo é ser animal no sentido de besta. Tu, Homem, que tanto
ambicionas o distanciamento do ventre natural, vergas-te a seus pés através de
impulsos que jamais controlarás.
-Afirmas
que estamos todos enganados? Como sabes se um dia não foi diferente, não foi
melhor?
-Talvez
estejamos e talvez tenha sido, não sei. No fundo, acho que enquanto acalentam a
vossa amargura forjam o ferro das vossas cercas. E eu não quero isso para mim.
Não quero correr atrás do vazio, ele próprio me encontrará. Vens ou ficas?
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