gracinha de seu manel

As pregas da cara e as mãos cadentes, nervosas e agitadas, acusavam que noventa anos serão talvez demais para se carregar num corpo capaz de vergar sob o peso do tempo multiplicado pela crueldade que implica, tão-só, estar vivo. Mesmo assim, era inegável a alegria de conseguir, tanto tempo depois de ter dado à costa do mundo, ainda ver nos olhos da sua Gracinda – gracinha mais linda do meu coração – as lágrimas se formarem, daí escorregando de ruga em ruga, num trajecto suave pela sua pele de velhinha, de cada vez que lia. Não eram uns livros quaisquer: eram livros escritos numa forma que lhe arrancava da alma a subtileza de ser mulher; eram livros de princípio estético muito profundo; eram livros escritos em português.


É que à Gracinda, gracinha do seu Manel, comovia a formosura da Língua Portuguesa, emocionava-se com algo tão ímpar, e sentia-se infinitamente abençoada por ter aprendido a dar à voz um ritmo que parece de canção e festa constante, e que se coaduna tão bem com os mais sublimes pensamentos. Como este de chorar ao fim dos dias em celebração de ler beleza linha sobre linha, em todas as linhas, desde que -a mais -i ganhou significado.

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O Leaõzinho, por Beirut (original de Caetano Veloso)

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