lógica simples
A
Medicina é uma escolha; um dia, disse: quero ser médico, e a partir do momento
em que tomei essa decisão, os meus dias passaram a ser regidos pela observação
minuciosa do corpo humano que, afinal, é o meu, pelo conhecimento, ao pormenor
do gene, da engrenagem que me mantém vivo, pela análise de cada mecanismo, por
mais ínfimo que seja; passaram a ser dias de susto, em que a clareza inequívoca
da minha fragilidade, a tentativa de dominar os mecanismos que fazem o
organismo tornar-se doente, e a procura de estratégias para desvendar e tratar
a doença dominaram a minha atitude perante o passado, o presente e o futuro.
Escolher
Medicina é fazer uma autoproposta: aqui estou, lançado à análise metódica de
ti, de mim, de todos.
No
entanto, eu não sou Medicina, embora ela participe em grande parte na minha
vida e na minha atitude perante a vida. Eu sou o espanto que uma música me
traz, sou o deslumbramento perante o culminar brilhante de um romance, sou a
agitação que resulta da partilha com o actor da peça em acto, sou o corpo que
dança numa noite sem regras, sou festa, sou delírio, sou a película atravessada
pela luz e projectada na tela do cinema, e a lágrima que corre ao drama – assim
eu me torno humano.
De
agora em diante, o silogismo é fácil de deduzir:
se
médico é humano, eu tenho primeiro de me tornar humano para poder ser, apenas depois, e em casual consequência, médico.
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