dilúvio


Acordai, gente velha e gente nova! Vós sabeis apenas o que todos sabem na sua inaudita ignorância, elevando a tacanhez a vulgar mal comum, bem comum, coisa comum, que aos vossos ouvidos quaisquer palavras chegam desfiguradas ou mutiladas.
Olhai o céu de bochechas plúmbeas inchadas até ao âmago, esse céu mentiroso que promete rebentar em breve, e me enche de esperança, me faz suspirar por um pouco mais de água… na verdade (pasmai-vos, bem sei), o que eu desejo ardentemente é um verdadeiro temporal, um dilúvio tremendo capaz de vos encher de medo e de vos fazer retornar às tocas manhosas onde recolhem em dias de vendaval.
Sois uma cambada de egoístas: apenas deixais existir aquilo que o vosso membrozinho cinzento consome e regurgita. E tentais, a todo e custo e de todas as formas, fingir um tempo perdido e inventar um futuro indefinido.
Seco e cansado, tenho os pés adormecidos e os olhos inchados; e nem que venham os vossos punhos e balas ameaçar estoirar-me a pele e pintar de miolos o chão que se estende debaixo dos meus pés, eu só saio daqui quando o céu me bombardear! Se é para secar sob este sol abrasador e entre as vossas sombras, ao menos que seque enquanto espero, ansiosa e fatalmente, pela chuva.

Abençoada chuva...

Chuva que és mãe do verde infindável que corre das tuas moléculas mal tocas a terra, esta terra morta, quase tão morta quanto eu, jamais morta como eu. Porque a vida, invariavelmente, sai da sua inércia arfante e corre desenfreada assim que as primeiras gotas rufam endiabradas nas costuras invisíveis que vão de nada a coisa nenhuma.
Estais descobrindo o mundo de novo, e na vossa pueril descoberta, povoada de sono e sonho, há o contentamento de nem sequer a dor que tendes, terdes verdadeiramente.

Cá para mim, até já o céu desistiu de chorar por vós. Por isso, seco já seco.

Comentários

Pickles disse…
"Mas estás à espera que chova?"
"Estou"

Está aqui um belo dum texto já agora :)

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