carta à mãe

A mãe não sabe porque a filha, hoje - como ontem e antes de ontem e em todos os dias da sua vida -, tem dificuldade em falar "amor". Que o sente, pois sente: hoje, como ontem e antes de ontem e em todos os dias da sua vida. Sente-o quando vê as mãos mergulhadas no corpo de alguém que ajuda a tratar, o sangue cobrindo o látex e uma lágrima de agradecimento correndo na cara. Mas a mãe não sabe, a filha não diz muito sobre isto. A mãe não sabe o que a filha sente quando vê a terra de cima e o futuro de frente.

Mas o que a mãe não sabe, porque isto, sem dúvida, nunca foi dito, é que é no passado que a filha descobre a mãe.

Pois que me lembro de todas as lágrimas que choravas a passar a portagem de Aveiras, de me tentares fazer acreditar que está tudo bem, a mãe está bem, tenho uma coisa chata no olho. A mãe não sabia que a filha sabia, e sempre soube, que não há amor maior do que esconder a dor atrás de uma mentira tão corajosa. 

É que há pessoas que nos ensinam a arte básica da guerra. Essas pessoas, inevitavelmente, são a mãe. Não a tua, nem a dele. A minha mãe.

Luísa.

Da tua Ana Luísa, que não saiu morena, mas veio com sardas. Não tem as mesmas orelhas, mas tem o mesmo feitio, o mesmo tamanho de pé e a mesma altura. Só não sabe se tanta coragem.

Wroclaw, 
no dia da [minha] mãe - 3 de maio de 2015

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