o jogo da cabra cega - II
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Parte II: A Multidão
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Mas
de súbito, no meio da sua surdez, ouviu-os, primeiro baixinho e depois,
ruidosamente, o volume das vozes, dos gritos, das gargalhadas ocas foi aumentando.
As portas e as janelas rangiam definhando nas dobradiças, como que anunciando
desgraça; estatelar-se-iam os vidros se ainda existissem nos caixilhos de
madeira. De repente, uma brisa estranha soprou sobre a velha, enchendo-a de uma
débil energia, recolhendo a baba à gruta húmida e os olhos à sua posição
original. Ergueu-se e, inesperadamente leve, fresca, deixou-se guiar entre a
azáfama desordenada do casebre, aparecendo à porta; entre tanta cegueira, lás
os viu, verdadeiramente cegos e estouvados, a jogar à cabra cega.
E
não eram só crianças, envolvidas na sua pueril inocência, que jogavam o jogo da
cabra cega - havia ali pessoas das mais diversas condições.
Loucura,
que loucura! A gente de venda em riste, a rodopiar, rodopiar… depois, zás! paravam
de braços esticados, o corpo gingando, tombando, cá e lá, zig-zag, ameaçando
caírem sem de facto caírem. De seguida, corriam aos baldões, batendo de costas,
dando cotoveladas, gritando, rompendo em cabriolas.
A
velha, evidentemente confusa, esfregava a testa com as mãos imundas de terra,
sacudia o cabelo e roçava os óculos, pasmando com os cavacos aos pés.
Olha
que parvoíce, pensaria a desgraçada mulher se eu a deixasse pensar, que
parvoíce a desta gente; a mim doem-me os ossos, caem os olhos, pesam os pés,
range a coluna torcida e desfazem-se as pernas, e aqueles trambolhos ali estão,
como dementes que são, arrombando a sua tão efémera aurora...
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