o jogo da cabra cega - III


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Parte III - O Fim
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..Old Man With a Guitar


Corriam desenfreadamente, cantavam, riam; aproximavam-se! Não é normal, episódio deste nunca aqui se viu! “Vão-se embora gatunos! Desandem da minha porta, que me assaltam a paz!”, gritava a desgraçada num fio de voz praticamente inaudível, “Vá, embora daqui, já!”. Mas nada, ninguém, não havia viv’alma que fizesse caso da desditosa senhora, tão confusa e chocada, assustada pela visão de um eminente assalto ou pela perspectiva de mortes por entalhamento. Iam-se aproximando, doidos e cegos, todos de olhos vendados, completamente alienados e de faces sinistramente aterradoras. Já estavam a uma distância suficientemente pequena para que os seus pés (do tamanho de reboques de camião) esmagassem os canteiros de salsa imaculadamente cultivados pela desgraçada que agora se irritava a sério; pegando em cavacos, içou-os mais do que alguma vez pensou poder esticar os braços, brandindo, em vão, os pauzinhos no ar, “Que querem de mim?!? Que querem!?”.
Não paravam de girar como se cavalgassem em carrosséis. Já havia quem vomitasse enquanto a multidão se apinhava para dentro de casa, desordenadamente. E isto a velha não tolerava. Correndo o mais depressa que as suas perninhas mirradas permitiam, içava exaurida os cavacos, enxotando para longe da horta a gente que se esvaía em matéria verde e viscosa, resultado das múltiplas voltas. “Vai vomitar para casa, desanda!”, chorava entre uivos de raiva. Não compreendia o que estava a acontecer: era a juventude saudável que parecia ter recuperado e a turba que a enfrentava de olhos tapados; sempre se lastimara por tão grande solidão, mas jamais na sua vida havia desejado tamanha invasão. Estava assim envolvida em pensamentos velozes quando uns braços fortes a agarraram e imobilizaram, “Não se faz disto a uma senhora, ponham-me no chão!”, e outro par de tenazes orgânicas foi o suficiente para cegar de vez o destroço humano; estava na hora.
Destruída qualquer prova de alguma vez ter existido uma velha dos cavacos, a multidão despedaçou a casa e o quintal, fez a lenha em farinha e continuou em reboliço até se perder de vista, caindo aos magotes para dentro de um dos muitos abismos. Do último grupo constava o homem cujos braços fixavam a figurinha inerte de uma velhinha encarquilhada; assim imóvel, ainda conseguiu vislumbrar entre uma nesga da venda uma réstia de sol, mesmo atrás do casebre destruído. Foi o último que as suas cataratas fulminaram.

Não bateram em latas,
Nem fizeram estalar no ar chicotes,
Mas não faltaram os palhaços e acrobatas.
Quem disse que as pessoas têm de ir embrulhadas em caixões?

                                        
A Mário, a poesia;
A Sophia, a imaginação.

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Comentários

Rita disse…
Ana, soube tão bem ler-te, ao fim de tanto tempo. Nada te poderei dizer, excepto que deitas-te acendalhas para um fogo adormecido: o gosto da literatura. Acredita que poderás considerar isto um grande elogio nestes meus dias.

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