efeito joule
O
varredor de ruas raspa os umbrais onde os pés de milhentos organismos se
debruçam coçando as pedras da calçada; absorto no seu trabalho [aparentemente] desprovido
de significado, remove bactérias e outras porcarias, esfregando, varrendo.
É
como a imensa canalização que perfura a terra onde as casas se encaixam limpas
e asseadas: recolhe as dejecções alheias num silêncio mortificado, por vezes
pontuado por uma qualquer descarga de água, que não é mais que uma cuspidela
sobre o chão que limpa.
E
embora não tenha quilómetros de extensão, liga-se tácita e intrinsecamente a
outros tantos milhões de varredores de ruas que, no seu retumbante espaldar de
vassouras, pás, baldes de tamanho XXL com rodinhas e fato-macaco, primam por manter
transitável a via pública, isto é, em bom estado a canalização aparentemente
imaculada onde os pequenos aglomerados de esterco se passeiam, poluindo e entupindo,
inefavelmente, a natural circulação das redes de saneamento público.
Seja
por baixo ou por cima da calçada portuguesa, o trabalho do inteligentíssimo
Marquês foi tão profícuo, que a rede nacional de esgotos se confunde e emaranha
num saudável corrupio de almas em reboliço e dejectos às cambalhotas.
E
o resultado disto? Como sempre, uma breve tradução desta tarefa tão importante do
varredor de ruas em números. Porque tudo, em todo o lado, apenas vale um
número; o trabalho suplanta a dignidade pessoal: é uma [qui]mera questão de
Joules.
Cheira
mal.
Comentários
Será que tudo não passa de um conjunto de forças e movimentos transcritos em energia que teimam em controlar tudo, impedindo-nos de SER?
Ou será que são os nossos corpos moles e as mentes podres que já cheiram mal, obrigando-nos a recuar?
Afinal, o que aconteceu é que cada varredor fez greve ao seu precário trabalho, deixando acumular o lixo do quotidiano e impedindo os cidadãos de circular através da via que os conduz à razão.