a sesta - um
autor desconhecido
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Contudo, a entrada destas duas
personagens na pacata vila de Santa Cruz, por mais admiração que causasse
naquela gente abandonada no interior ardente de uma Venezuela há muito
esquecida, não seria, por si só, motivo de tanto interesse, não fosse, salvo o
impacto inicial causado na população, as acções que irei agora narrar.
Instigadas por um qualquer chamamento
sobrenatural, a Mulher e a Menina moviam-se de rua em rua, como se, não
obstante o facto de nunca lá terem estado, conhecessem Santa Cruz desde sempre.
Quando deram por elas, já o portão do cemitério rangia e estas duas criaturas
entravam por ali adentro: procuravam uma morada perdida entre as moradas de
tantos outros perdidos, serpenteando entre as campas, todas de pedra mármore,
dispostas em filas horizontais e paralelas umas às outras, como que lembrando
aos vivos transeuntes que a morte é, de tão repleta de vazio, um complexo
organizado da matéria decomposta - afinal, nada há de mais simples para o fruir
da condição humana que o extermínio do pensamento, pai de tantas dores. De cada
campa espreitava um rosto sereno e descolorado enclausurado num retrato. A
Criança tremia ao ver aqueles sorrisos, certamente repletos de ignorância,
colados às pedras que cobriam pedaços de gente provavelmente inexistente;
sentia uma miscelânea amarga de sensações, que variava entre o medo e a
repulsa; chorava pianinho, soluçava tenuemente, cozinhava ideias tristes. A Mulher,
apercebendo-se do choro cuidado da filha, estacou o passo e fitou-a cruamente,
agarrando-a pelos ombros com leves sacudidelas.
-Ouve o que te digo, minha menina, este
é apenas um local de transição na Terra. Não voltes a chorar, eu não quero, sob
que pretexto for, que voltes a chorar! Aqueles abutres não merecem o teu sal.
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