um-dois-três
Sem vírgula, nem espaços,
só não são números porque não gosto deles no esplendor do seu cânone.
Estás velho, companheiro,
meu velho, salutar amigo das horas mais nuas.
O fato preto e o bigode
que penteias todos os dias, num gesto repetido, em frente ao espelho minúsculo
por cima da pia, já definharam sob a amargura do pó que se vai acumulando.
Os livros religiosamente
empilhados na linha horizontal das estantes, esses, os bons e os maus, não
vivem mais aí. Tampouco os guardanapos com que limpavas o suor de uma mente que
não parava de viver em criatividade.
Até a Lisboa da tua única
existência está flácida e podre sob os trilhos do eléctrico: a casinha amarela,
não falta muito - garanto -, será só memória, como tu. E a Brazileira está tão corrompida
como as outras que aí se passeiam de pernas ao léu para encherem os bolsos.
“Sê plural como o
Universo!”, dizias. E saber conjugar assim: plural mais universo, e universo
com plural. Universo esse que não vai além das amarras de uma identidade
multiplicada, de um corpo de tripas repartidas pela imensidão de Outros no
Mesmo.
Os segundos estenderam-se,
e viraram minutos que viraram meses, e depois anos, décadas, séculos! Não
tarda, passa o milénio e tu, lembrado na tua morte, serás sempre, sempre,
sempre:
Pessoa!
A
vida a bordo é uma coisa triste,
Embora a gente se divirta às vezes.
Falo com alemães, suecos e ingleses
E a minha mágoa de viver persiste.
Embora a gente se divirta às vezes.
Falo com alemães, suecos e ingleses
E a minha mágoa de viver persiste.
Álvaro
de Campos, Opiário
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