o elevador da bica
Cem anos e duas décadas de
sobe-e-desce. Que curiosa metáfora – uma existência de altos e baixos,
promulgada pelos solavancos próprios de quem caminha sobre carris (nuns dias mais oleados que
noutros).
Cem anos e duas décadas fizeram de ti o mesmo órgão histórico que leva mundo acima e mundo abaixo, somando e subtraindo energia potencial sempre de compasso marcado.
Cem anos e duas décadas fizeram de ti o mesmo órgão histórico que leva mundo acima e mundo abaixo, somando e subtraindo energia potencial sempre de compasso marcado.
Dir-se-à então que a Bica também dança a valsa? Absurda
conclusão, bonita para retórica mas pobre para este fim: a Bica e o seu elevador são só a Bica e o seu elevador,
como de resto tudo é tudo e nada mais que isso. Não há cá quadros de bailados a ilustrar o bairro lisboeta.
Ainda assim, agrada-me imaginar que o teu rumo
surgiria num gráfico enquanto estrutura perfeitamente sinusóide, com as curvas
delineadas sem tremores excedentes: amplitude e frequência absolutamente
certas, e cada uma das variáveis, cada conjunto de pontos que sobe, e depois
desce, traduzindo em pleno a montanha humana, histórias contadas e arrumadas em
cada abcissa e as abcissas sucedendo-se: esta, mais esta, mais esta.
É do 28 que te vejo sempre, quando vou para
os Prazeres.
Os estendais riem-se de mim;
as cuecas e as meias gargalhando ininterruptamente – eu os vejo! E os velhos às
janelas regam as flores dos umbrais, tremendo as portadas com a vibração dos cabos
tão frágeis, tão fininhos... Mal eles sabem que lhes secam ao sol pedaços ridículos de vida, mascarada de poliéster e elastano.
***
Então hoje fazes 20 aninhos, pois que nunca
mais o fazes!
Eu sei, avó, eu sei... mas sempre me serve
de consolo lembrar que tanto tempo depois, o antigo elevador ainda me
alimenta as estórias quando por ali passeio no eléctrico.
Comentários