a harmonia segundo orwell


 «Estar em minoria, mesmo sendo uma minoria de um só, não era sinal de loucura. Havia a verdade e havia a mentira, e quem se agarrasse à verdade, nem que fosse contra o mundo inteiro, não passaria a ser louco por isso. Um raio amarelo de sol poente entrou, oblíquo, pela janela, batendo-lhe na almofada. Winston fechou os olhos. O sol na cara e o macio corpo da rapariga encostado ao seu lado davam-lhe a repousante sensação de força e confiança. Estava em segurança, tudo corria pelo melhor. Adormeceu a murmurar “a saúde mental não é uma questão estatística”. (…)
Quando acordou teve a impressão de haver dormido muito tempo, mas uma olhadela ao relógio antiquado revelou-lhe serem só vinte e trinta. Deixou-se ainda dormitar um pouco. (…) Enquanto apertava o cinto do fato-macaco, aproximou-se da janela. O sol devia ter-se escondido atrás das casas, pois já não brilhava no pátio. As lajes estavam molhadas como se alguém acabasse de as lavar, e o céu dava a impressão de também ter sido lavado, tão fresco e claro se via o azul entre as chaminés. Infatigável, a mulher andava cá e lá, rolhando e desrolhando a boca, cantando e emudecendo, pendurando fraldas e mais fraldas, sempre cada vez mais fraldas. (…) E no fim disto tudo, ainda cantava. A veneração mística que Winston lhe devotava confundia-se estranhamente com o aspecto do céu claro e sem nuvens, espraiando-se atrás das chaminés, até ao infinito. E pensar que aquele céu era igual para toda a gente, tanto na Eurásia e na Lestásia como ali. E as pessoas, debaixo desse céu, eram também muito parecidas. (…) Se alguma esperança havia, estava nos proles!»

in Mil Novecentos e Oitenta e Quatro, George Orwell

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