para inspirar



FRONTAL Nº43

***

Tenho às vezes crises destas, dá-me assim uma saudade de certos lugares. À parte o laranjal atrás de casa, os bichos grandes e pequenos, mais ou menos repugnantes, ruminantes, carnívoros, a tranquilidade do meu pedaço de terra deslocado da civilização, chega ao embalo de certas referências a lembrança de uma cidade que lentamente vai ficando em mim. Que não é, de todo, a Lisboa histérica da Avenida da República, da Segunda Circular e outras estradas pungentes, das sirenes e dos gritos e dos rostos sisudos, essa Lisboa que me enerva, exaspera e entristece, me deixa com ânsias de virar errante e desertar. Não, é outra coisa, é 


"Porque Lisboa, invariavelmente, inspira. Cidade famosa pelas
colinas, pelos pregões e pela cor, foi musa, mas também cenário e
casa de artistas – palco e bastidores, assim parece. Vimo-la retratada
pela Arte, da primeira à sétima expressão – e até na oitava a veríamos, se uma oitava houvesse –, e matéria em bruto para reflexão.
Rosto de poemas...
 Acordar da cidade de Lisboa, mais tarde do que as outras,
Acordar da rua do Ouro,
Acordar do Rossio, às portas dos cafés,
Acordar,
E no meio de tudo a gare, a gare que nunca dorme,
Como um que tem que pulsar através da vigília e do sono.
(…)
Lisboa, Fernando Pessoa
 ...feição de uma grande narrativa...
“Aqui o mar acaba e a terra principia. Chove sobre a cidade pálida, as
águas do rio correm turvas de barro, há cheia nas lezírias.”
O Ano da Morte de Ricardo Reis, José Saramago
...de um conto,
ou letra de uma canção...
Olhai, senhores, esta Lisboa d’outras eras,
Dos cinco réis, das esperas e das toiradas reais!
Das festas, das seculares procissões,
Dos populares pregões matinais que já não voltam mais!
Lisboa Antiga, José Galhardo e Amadeu do Vale (Letra)
... motivo para uma pintura, fotografia, uma cena de cinema.

(…)"

É porque não tarda (e tanto tardou já) sairá no papel o meu amor declarado à Baixa, ao Chiado, a São Bento e à Bica.

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