liberdade, à noite


Refrescou, o céu já está escuro e entretanto fez-se da tarde mais tarde ainda. Vou a pé pela Liberdade, corrompendo o seu sono com passadas rápidas e bem treinadas.
As cabeças adormecidas sobre os bancos, as silhuetas circunscritas a cartão: faz frio, e eles dormem, banco após banco, banco não, banco não, banco sim, dormem. Ou imitam os que têm cama e lençóis lavados, uma fronha branca a transpirar sabão e água e o perfume das mãos que a esfregaram.
Ali, contudo, a única almofada é a sincronia rígida das tábuas mal pregadas dos assentos de jardim, debaixo das árvores, acima do metro, ao lado do lixo e dos homens que raspam o alcatrão; muito abaixo da realidade estúpida e nauseante que se vive na Liberdade, na Fontes Pereira, na 5 de Outubro e nas outras todas quando o sol ainda vinga.
Passam os carros e o verde dança com o amarelo, chegando o vermelho para os travões chiarem fininho, atroando no Marquês e no outro que levanta a mão na Praça dos Restauradores.
Liberdade, à noite, é ver presos à miséria não uns, mas todos, os que se assoam às ervas e os que cospem no prato, os que têm casa na rua, os que andam à solta em casa.

O quarto, a casa de banho, a sala.


Comentários

Anónimo disse…
Pum! Explosão! Salta tudo por todo o lado! Caem paredes das casas, caem pontes que se tornam represas. Abrem-se crateras no chão com três ou quatro metros de profundidade e mais cinco ou seis de largura. “Cona! És mesmo cona!”, pois era. Que estranha forma de dizer a alguém o quanto se gosta. E, entretanto, continuaram estilhaços a saltar e continuaram nuvens de poeira a levantar-se do chão e a subir a quilómetros de altura. Lá longe, algures no Universo, devem conseguir alcançá-las à vista desarmada.

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