do efémero, do claro e do escuro #1

Já são dez p’ràs seis da manhã
E há mais um imbecil a pensar….
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Não que o passo fosse apressado ou a respiração descompassada; na verdade, há horas que mantinha o corpo hirto e o olhar cravado na janela entreaberta, extasiado com a imensa beleza que adivinhava na aurora, imbuído na letargia do sol nascente.
E sentiu pelo mundo um amor abrasador, arrepiante, impossível, uma vontade interminável de sucumbir ao crime de amar o universo pai, a terra mãe, as galáxias vizinhas, os irmãos e os primos e tios.
Mas havia uma inércia, ligada veementemente ao atrito, que travava o perverso movimento desta nossa célula aos pulos no meio de Nada. Como uma enfermidade danada, o torpor erguia-se furtivo e clandestino, atacando a medula espinal da célula e provocando a chacina de tanta promessa viva, de tanto sonho ou mera ideia.
Acalmava o organismo fervente de agitação. Sentou-se na borda da cama e tombou a cabeça sob a fronha solta. Pensou na sua estúpida inteligência: amorfa, esquálida, pútrida. Concebeu desesperadamente quantas angústias o infectavam. Passou a mão pelo rosto e sentiu as cicatrizes sob o toque áspero dos seus dedos. Imaginou como este seria belo sem nódoas, como seria grande o seu espírito sem espectros… A dormência aproximava-se a passos nada comedidos, misturando as cores do início do dia numa paleta de tons indistintos… e era um desespero, uma dor na barriga, uma comichão na vista… branco, preto, azul, preto… tsch… tsch… tsch… tsch…

O imbecil ainda pensava.
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