there's no other place in the universe


de bookshelfporn.com


where i could be happier

***

Preparei-me meticulosamente, não que seja meu hábito ser todos os dias um exemplar evidentemente identificado da minha espécie e género, e sair de bochechas polvilhadas só para apreciar a doçura de mais um dia – é precisamente por virar a página ser um momento tão fundamental no decorrer de mim sobre o tempo, que gosto de receber o sol numa cara limpa.
Naquele dia, contudo, estava fora de todos os papéis, e não sabendo qual ser o meu, prendi o cabelo numa trança mal-amanhada, as pontas louras saindo espetadas e a franja caindo-me do apanhado desajeitado. O bálsamo do costume correu-me nos lábios, algum perfume nos punhos, outro tanto no pescoço, que depois envolvi num lenço azul escuro. Botas calçadas (tenho de as mandar ao sapateiro para que me feche aquele arranhão), casaco vestido, mala a tiracolo e guarda-chuva na mão.
A minha rua (que agora não é mais minha), o grande centro comercial, vinte minutos para vir o próximo autocarro e a ansiedade crescendo com tanta brutalidade, que o guarda-chuva me dançava na mão. Desci à Mãe de Água, atravessei o Rato, passei mesmo em frente à Politécnica – parei, era a última esquina: a ú-l-t-i-m-a esquina, e tudo tinha irrevogavelmente de mudar daí em diante, de tal forma que tudo ficou igual… nos minutos que precederam aquele, nas memórias do que era e não mais será, nunca mais foi.
Para lá da minha chávena de chá, o maior e mais complexo segredo sorria-me, e em vez do guarda-chuva, apertava com força um pequeno embrulho de papel.

Tu és muito…, ouvi.

Comentários

Rui Ramos disse…
para quando o livro? :)
Tu e a tua sempre constante fé... x) Prometo que quando houver livro, farei duas em vez de uma edição, para que não te sintas defraudado.

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