setenta anos depois

Isto nunca poderá ser uma coisa normal, um suspiro do hábito, um encolher envergonhado de ombros enquanto se acredita que o humano terá subido muitos degraus ao cristalizar em Declarações Universais os direitos do seu semelhante. 

As portas que se abriram há setenta anos libertaram o fumo dos milhares ali devorados em chamas. Era um lugar gaseificado, como uma garrafa de água carbonatada – soda que nunca chegou a explodir, apenas ardia lentamente.

Li no Público: “Imagina um complexo prisional, rodeado por campos mais pequenos, com capacidade para 60 mil a 80 mil pessoas, vindas de toda a parte do mundo. Ver o estado das pessoas que aqui ficaram – e compreender o que se passou aqui – é suficiente para perder o juízo”, confessava Elisavestski, citado no livro Total War – From Stalingrad to Berlin, de Michael Jones (John Murray, 2011). “Encontrámos as ruínas de quatro fornos crematórios, com capacidade para queimar milhares de pessoas diariamente”, relatava o oficial. “Traziam os prisioneiros para o que chamavam ‘descontaminação.’ Forçavam-nos a despir-se e a ir para uma sala na cave, onde havia chuveiros. Quando estava cheia, fechavam as portas e lançavam gás. Após 10-15 minutos, traziam os cadáveres para os crematórios."

Li-o como se fosse a primeira vez, porque o choque, o medo e a repulsa são iguais desde que tenho onze anos e me confrontei com este cenário. As coisas que se passam nas crianças…

Mais adiante, isto: “Tendo entregado os seus valores e documentos, as pessoas foram obrigadas a despir-se, e depois empurradas, sob ameaças e tiros para o ar, em grupos de cerca de dez, para a beira da ravina”, recorda uma sobrevivente, Dina Pronicheva, citada por Snyder. “Eram obrigadas a deitar-se, de barriga para baixo, sobre os cadáveres que já jaziam sob elas, esperando pelos tiros que viria de cima. Depois vinha o grupo seguinte.”


Entretanto, parece que o mundo perdeu as estribeiras. Um grande “foda-se” para tudo isto. Nem vou nomear onde e quem, nem de que forma, já que as notícias o fazem – mal ou bem – com a informação toda que alguém permite fazer circular. Vou apenas sentir a náusea, quiçá deixar-me comover. 


Porque este ano é ano de ir a Auszchwitz. Setenta depois.

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