de zurique a delémont

O comboio ganha velocidade, arranca sôfrego os quilómetros à linha, avança deslizando e assobia nos carris. Leva-me sem bilhete de volta, mesmo que me digam que deverei ainda regressar uma última vez a casa. Cada vez que aqui venho, há um bocadinho de mim que tem, invariavelmente, de ficar.
Procuro incessantemente o lugar a que pertenço. Procuro incessantemente dar à minha vida um significado renovado, reinventar-me, tornar-me útil e válida - encontrar um motivo que justifique a minha sobrevivência.
Os lugares que conhecemos e as pessoas por quem nos apaixonamos e esse imenso banho chamado Terra. Não me sinto portuguesa, mas sou-o. Não me sinto sitiada em Portugal, mas nasci e cresci lá. É desse sentimento de pertença à humanidade que me solto da minha casa. Se os portugueses têm na sua medula a ternura da língua, a devoção ao próximo e o encanto pelo desconhecido, então eu sou portuguesa. Quanto ao resto não descubro muito mais com o qual me identifique a ponto de não escolher sair. Sou-o também por viver sentindo sempre falta de qualquer coisa, de alguém; a espera faz-se esperança e sem espera nem esperança sou um corpo vazio.

Em todas as paisagens do Jura que agora conheço, vejo a promessa de dias completos, recheados de ar, alimento para os pulmões. Em todos os livros, palavras encaixando numa dança sublime. Em todos os rostos, todo o potencial da humanidade - para o bem e para o mal.

12 de outubro de 2016,
num comboio que ia de Zurique a Delémont

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